domingo, 27 de novembro de 2011

Olhar...


Passou por mim, olhando com toda força. Eu sabia que não era para mim que ele olhava de verdade. Deu as costas e saiu sem pressa como se seus passos divagassem em pensamentos pausados, inconclusos, incertos. No que ele pensava? Estacou, olhou à esquerda e entrou num corredor cheio de salas. Parou em frente a uma delas, riu um riso gostoso, insinuante, embora discreto. Da sala, saiu uma mulher com pouco mais de um metro e sessenta e cinco, mas que de salto parecia colossal! Não era magra. Seu vestido desenhava seu corpo até um pouco abaixo do busto e depois era só liberdade, bem solto, entregue às intenções do vento que brincava com o perfume dela também. Ele a vislumbrava e sentia um cheiro meio doce de especiarias a envolvê-lo. Fragrância de outras épocas, de muito longe. "Tão irreal", pensou suspirando olores. Ela sorria ingenuamente, atraida por uma força estranha. Conversaram sem palavras. Sentiram o cheiro um do outro. Beijaram-se na face, contendo os ânimos calorosos. ambos tinham as convenções sociais como guia e as ignoravam instintivamente diante das imaginações na velocidade da luz, entre sorrisos e gracejos. Era impossivel não perceber as sensações alquímicas que os enlaçava. Subitamente, como quem acorda de um pesadelo, olharam-se e tiveram um choque. Saíram antes de serem petrificados um pelo outro. Os olhos se despediram aliviados porque estavam voltando para suas respectivas casas e lá, somente lá, encontrariam a calma de um lar doce lar que os esperava cada qual a seu modo. Mas eles não contavam que lá no interior de si mesmos, onde ninguem os pode proteger, já tivera se instalado um incomodar latejante. E eles foram embora sem trocar uma palavra sequer. Cada um levava na memória o que havia se eternizado no passado... E foi assim que percebi que o amor não se acaba...adormece.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Carteiro


Fazia dias que não abria meu e-mail, quando liguei o computador e dei uma olhada na caixa de mensagens fui tomada por uma dessas saudades repentinas dos tempos em que a correspondência chegava pelas mãos do carteiro. Era um momento impar separar as cartas e ver quem eram os remetentes, os mais queridos seriam os ultimos a serem lidos, saboreando devagarinho o que queria dizer as entrelinhas. Ainda faço isso com os e-mails. Hoje raramente o carteiro aparece por aqui e os e-mails e spams trazem uma enxurrada de informações que não nos interessam... Antigamente eu sonhava com as cartas que chegaria e guardo em uma caixa várias delas, não digo que são cartas, são verdadeiros documentários de vida. Ontem sentei e abri a minha caixa de lembranças em busca de uma data e encontrei outros tesouros, cartões, anotações, pequenos desenhos feitos pelas crianças que hoje já são adultos. Vou relendo e sentindo saudades do grito do carteiro que chegava lá na terra dos poetas e eu saia correndo para encontrá-lo na porta, com todas as cartas nas mãos. Os tamanhos e modelos dos envelopes já faziam com que eu identificasse o remetente e as vezes, a ânsia por noticias era tanto que eu já escorregava por ali, rasgava o envelope e sentava para devorar os conteúdos. Tinha poemas, relatos de viagens, saudades, receitas de bolo, uma prosa, um conto de Patativa do Assaré, Neruda, Drumond, Djavan, Caetano, noticias de Angola, Venezuela e as entrelinhas... Jardineiro sábio sabe o tempo de colher...Vou aprendendo que os tempos mudaram e as tecnologias tomaram conta das nossas vidas, o carteiro não chega e as noticias saltam diante de nós em tempo real. Na entrada já não tem mais a caixa da correspodência, agora é só ligar o computador e a janela se abre diante nós...