terça-feira, 29 de maio de 2012

Por falar em saudade

Hoje abri meu baú de saudade e fui buscar seus cheiros e encantos, caminhei nessa busca e fui encontrando textos, fotos, jornais, recortes e saudades... Encontrei essa crônica de Vicente Serejo, escrita em 1991 e resolvi postar. Ela vem impregnada de sentimentos contraditórios nesta tarde clara e silenciosa. Saudade - pra que negar? - das horas boas que a gente passa em sossego e nem escuta o tempo acelerado nos ouvidos. Saudade  da mansidão de algumas tardes antigas que ficaram guardadas nas malas imprestáveis, como as fantasias de baile que ja não servem para as festas de hoje em dia.
Saudade de algumas conversas que ainda restam em nós, como se a memória juntasse pedaços na esperança de um dia recompor o passado. Saudade das bocas que nos disseram coisas boas e que depois se calaram. Saudade de frases que nunca foram ditas porque é como se nunca mais merecêssemos.
Saudade da juventude que não se perdeu porque foi vivida intensamente, mas é sempre uma perda na retina dos dias de agora tão cansados. Saudade de não precisar ser, agora que somos, tão perdidamente, esse ser gordo e cheio de ansiedade, esperando  otiro seco da largada.
Saudade dos quintais cheios de sombra e dos frutos maduros que neles caiam para que nossas mãos e os nossos olhos se enchessem de alegria. Saudade de algumas canções que morreram de velhice, porque tentar repetí-las é desafiar, perigosamente, o destino inevitável de ser moderno.
Saudade das paixões que tivemos e de todas as dúvidas que assaltavam o rapaz que procurava um destino sem saber por onde começar. Saudade das incertezas todas que eram tão sólidas não tivesse vindo, muito lentamente, a maturidade para desfazê-las, até destruí-las, quando não assassiná-las.
Saudade de um rosto cujos traços já começam a apagar porque é vã a esperança de redesenha-lo por inteiro. Saudade daquele olhar que nos encontrava na multidão, agora que nem somo divisíveis. Saudade de ser visto. Saudade de não ser visto. Saudade de poder ver todas as coisas. Até as feias.
Saudade das mulheres que erasm doces e na doçura ensinavam mais que agora quando suas lições de vitória nos obrigam a vencer. Saudade das mulheres que eram bonitas exatamente porque não sabiam as lições de beleza, nem as compravam como hoje, nas clinicas de estéticas e nos salões.
Saudade - pra que negar? - de quando não se tinha saudade porque nem era preciso fazer  um jogo de coragem ou de palavras.
Saudade doce, sem nada de amargo, saudade boa e mansa. Saudade que nem sei dizer como é. Talvez aquela do primeiro relógio de pulso. Do primeiro sapato de fivela, do primeiro gol.