quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma esperança.



Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. Houve um grito abafado de um dos meus filhos: - Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também, que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima da minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser. -Ela quase não tem corpo, queixo-me. -Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças. Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saida entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender. -Ela é burrinha, comentou o menino. - Sei disso, respondi um pouco trágica. -Ela está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita. -Sei, é assim mesmo. -Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas. -Sei, continuei mais infeliz ainda. Ali ficamos não sei quanto olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse. -Ela esqueceu de que pode voar mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim. Andava mesmo devagar- estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo. Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança. - Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo certo cansaço que havia em minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança. O menino, morta a aranha, fez um trocadilho com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo. Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la. Uma vez, alás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara em meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada. Texto deClarice Lispector.

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